Rev. Bunsho Obata

Palestra: Congresso Nacional Dōbō

Reverendo Prof. Bunsho Obata

Por que estudamos o Budismo?

Dividi a minha palestra deste Congresso em cinco partes. Na primeira gostaria de abordar a respeito de: Por que estudamos o Budismo? Qual é o sentido de reunirmos para escutar os Ensinamentos budistas?

Estamos vivendo a grande pandemia devido ao coronavírus originário de Wuhan da China que se espalhou rapidamente por todo o mundo e chegou também aqui no Brasil, trazendo junto, todos os seus efeitos. Todavia, não podemos considerar esta situação como um problema aleatório, pois nada acontece isoladamente sem relação com todas as circunstâncias que envolvem o nosso mundo.

Por exemplo, as queimadas da floresta amazônica, a extração descontrolada de combustíveis fósseis que se faz no mundo todo, o aumento de dióxido de carbono, são fatores que contribuem para o aquecimento global, e, que consequentemente aumenta o nível do mar que por sua vez, provoca a submersão de terras baixas, como exemplo o país Tuvalu do Pacífico Sul. Além disso, podemos citar as mudanças climáticas que com tufões, furacões e chuvas torrenciais assolam vários países causando danos e acarretando muitas vítimas. Talvez até as fortes chuvas que ocorreram recentemente em São Paulo, tenham aqui sua causa. 

É como o impacto de uma pedra jogada na lagoa que provoca ondulações sequenciais até atingir toda a sua extensão. Certamente, ouvir este tipo de associação é muito inconveniente para nós. Todavia, é através destes acontecimentos que tomamos consciência da realidade de que está tudo conectado, e mais, tomamos consciência do fato de que somos seres que existimos mediante os vínculos. E se analisarmos mais profundamente a respeito, chegamos perto do que o budismo ensina como interdependência.

Princípio da Originação Dependente prega que nada existe realmente por si só. Ou seja, o budismo diz que tudo é fruto de interdependência. Até o ser chamado eu, na realidade não existe sozinho, pelo seu próprio sustento. Desta forma, o apego a esse eu, o apego ao que considera meu, e o ego centrado no eu seria desconsiderado, uma vez que o eu não existe. Ou seja, o budismo ensina que libertar-se desse ciclo de apego do eu e meu, dessa amarra do coração egocêntrico para que possamos nos assumir como seres que existem no mundo mediante vínculos com os outros, constitui o voto contido no ensinamento budista.

É o nascimento de uma subjetividade cósmica que encara o mundo extensão de meu “eu”. O Sutra do Ensinamento de Vimalakirti expressa tal subjetividade cósmica através da frase: -“Eu estou doente porque os seres viventes estão doentes”. Esse é o espírito do Buda, o Desperto. Ou seja, esta é a sabedoria de quem despertou para O Princípio da Originação Dependente, isto é, o coração do Buda. Na teoria, penso que nós entendemos, mas, concretamente ou seja, na realidade, não entendemos nada. Há algum tempo, uma música chamada “Sūdara bushi” alcançou um sucesso estrondoso. Vou apresentar a letra:

Tomo um gole pensando em beber só aquela dose. Mas, bebi um atrás do outro. Quando percebo, estou dormindo no banco da estação. Claro que isso só faz mal ao meu corpo. Eu sei, mas, não consigo parar”.

Conta-se que a princípio, o cantor Hitoshi Ueki sentiu certa resistência em gravar esta música. Entretanto, Tetsujō Ueki, seu pai que era um monge da Ordem Ōtani de Budismo Shin, considerou a letra coerente com os Ensinamentos do Mestre Shinran, e o incentivou para gravá-la. Afinal, aonde está a coerência? Provavelmente neste refrão: “Eu sei, mas, não consigo parar.” De fato, nós entendemos teoricamente, mas, vivendo com o coração cheio de egocentrismo, dificilmente assentimos que assim somos. 

Então dada a realidade dos seres humanos como essa, o despertar do Buda Shakyamuni para o Princípio da Originação Dependente parece irrelevante. Mas, se assim for, não haveria necessidade de estarmos aqui, juntos, reunidos para a audição sobre o Budismo. Por que precisamos aprender com o budismo? Escutar os Ensinamentos budistas? Por que há a necessidade de refletir sobre nós mesmos? Onde está a razão para aprender com o budismo?

A razão está dentro e não fora de nós. Existe dentro de nós, alguma razão que nos fazem buscar os Ensinamentos budistas. Existe no fundo do nosso coração a necessidade de si conhecer, refletido sob a Luz do budismo. É como doença. A doença se manifesta através de sinais e sintomas. Pelo fato de aparecerem os sinais, percebemos que fomos acometidos por alguma doença. Se dói a barriga, pode ser sinal de gastrite. Se sentimos pressão no coração, percebemos alguma cardiopatia. Eu mesmo, sentia arritmia e então soube que tinha fibrilação atrial. Do mesmo modo, uma experiência que traz impacto no nosso modo de vida, traz a razão para buscarmos os Ensinamentos do budismo.

Por exemplo, sinto um vazio na minha vida. Sinto ansiedade para viver. As pessoas tidas por outros como privilegiadas social e financeiramente, sem nenhuma dificuldade, podem carregar um redemoinho de obscuridades. Estar vivo e não conseguir encontrar sentido em estar vivo… Não se encontra um sentido para a vida. Minha vida não brilha… Isso é sofrimento.

As pessoas tentam escapar destes sofrimentos. Umas recorrem à bebida, aos jogos de azar, outras às viagens ou à prática de esportes. No entanto, o vazio e a ansiedade que mina do fundo do coração não desaparecem facilmente. Esta agonia não desaparecerá até a hora da morte.

Na verdade, este coração angustiado é um sinal alertando para recuperarmos a natureza humana. Assim, o importante é prestar atenção para onde o sinal indica. A sensação de vazio, de ansiedade está chamando a nossa atenção para retornarmos ao caminho da natureza humana, de onde nós nos desviamos. Esse sinal é a ligação que chama por nós. 

O Rev. Rijin Yasuda denominou estes sentimentos de vazio e de ansiedade que mina das profundezas do nosso coração que não conseguimos apaziguar, de ligação do Tathagata. Nas palavras do reverendo a ansiedade é o próprio Tathagata. Vamos analisar: por que sentimos ansiedade? Por que sentimo-nos vazios? É porque não estamos no lugar onde deveríamos estar. Por que nós não reconhecemos as nossas existências como seres que se materializam mediante vínculos com os outros, como é explicado no Princípio da Originação Dependente. Ao invés disso, damos as costas para essa verdade e então o vazio e a ansiedade se manifestam. É a consequência da nossa negação. 

Esse tipo de vazio existencial que carregamos dentro de nós é o motivo e a razão para buscarmos o budismo. “ O Poema da Verdadeira Fé-Shoshingue” diz:“O Bodhisattva Dharmakara, durante seu estado causal na presença do Buda Lokesvara-Raja…” , este Bodhisattva Dharmakara era originariamente um rei de um determinado país. E o fato dele procurar o Buda Lokesvara-Raja foi em busca de resposta do vazio que sentia na sua vida. Ao escutar a pregação do Buda Lokesvara-Raja, o Bodhisattva Dharmakara encontrou o caminho a seguir e com o coração pleno de alegria, tornou-se um asceta. Aqui está descrito claramente o significado de estudar o budismo.

Vamos nós também prestar atenção ao sopro de chamado que vem do nosso coração ?

Meu encontro com os Ensinamentos Budistas

O que significa aprender com o budismo? Quando eu vivia no Brasil, muitos me perguntavam por que me tornei sacerdote se eu não nasci num Templo. Então vou contar como eu me encontrei com o budismo.

Meu pai era policial. Eu não nasci como herdeiro de um templo budista. Minha mãe também não pertencia a algum templo. Então, quando encontrei a oportunidade de conhecer o budismo? É uma história bastante antiga. Mas, vou contar: minha mãe era uma devota fervorosa de um ramo de budismo, dessas linhagens mais recentes, embora tenha nascido num lar tradicionalmente devoto de Budismo Shin. Ela buscava encontrar um meio de salvar sua filha, ou seja, a cura de doença da minha irmã que padecia de um mal incurável, a paralisia progressiva, que já aos dez anos a impediu de caminhar. Impossibilitando frequentar a escola e limitando passar sua vida acamada.

Nossa mãe, queria salvar a vida da sua filha, e para isso ela buscou ajuda nessa religião que prometia até cura para as doenças. No entanto, quando minha irmã fazia 17 anos, no ano de 1959, a província onde residíamos foi devastada pelo tufão da Baía de Ise. Considerado tufão mais violento pós guerra, esta tragédia vitimou mais de 5.000 pessoas. Minha irmã foi uma dessas vítimas. Embora sobrevivendo à passagem do tufão em si, foi encontrada afogada e morreu depois de agonizar por mais dois dias.

Minha irmã morreu depois de viver por dezessete anos cercada por cuidados da família. Deixou-nos suas últimas palavras dizendo: “Preciso voltar porque o Buda veio me buscar. Se pudesse viver mais, eu queria estudar o budismo para ser monja. Se um dos meus irmãos, assim fizer, ficarei muito feliz”. 

Entretanto, eu, na época com 10 anos, logo esqueci dessas palavras. Só fui me lembrar delas, quando eu mesmo atingi a idade de 17 anos, no colegial, mesma idade de quando minha irmã faleceu.

À época eu vivia preocupado em escolher sobre a profissão a seguir. Vocês vão dar risada, mas, eu sonhava em ser ator de teatro. Fascinado com o Hamlet do Shakespeare queria declamar: “Devo viver ou devo morrer? – Eis a questão! ” De toda forma, nesta época eu me perguntava: Como vou viver a partir de agora? Para que estou vivendo? Qual é o significado de viver? Assim como a frase do Hamlet, estava em dúvida.

A busca da resposta para minha dúvida, era como tentar abraçar as nuvens. Mas, existia razão que me fazia questionar tão seriamente sobre a vida. Nesta época, um amigo meu que se questionava sobre a vida como eu, suicidou-se sem encontrar a resposta. Sete dias depois da morte dele, outro amigo em comum, de repente, me perguntou: Para que você vive? 

Perdido, sem poder encontrar a resposta para esta pergunta, o que me veio à lembrança exatamente naquele momento, foram as palavras finais da minha irmã que morreu em consequência do tufão da Baía de Ise. As palavras que minha irmã deixou: “Se pudesse viver mais, eu queria estudar o budismo”… Se assim for, talvez o budismo me ensine o significado de viver. Assim pensando, respondi ao meu amigo: – “Eu não sei para que eu estou vivendo, nem para que as pessoas vivem. Então vou estudar o budismo para um dia encontrar as respostas para essas questões.” E assim, decidi estudar o budismo.

Na mesma época foi realizado o rito memorial da minha irmã. Minha mãe, havia deixado a religião emergente e havia retornado ao Shin Budismo. Por assim ser, ela deu ênfase à mensagem do Dharma nesta celebração e havia solicitado a homilia do dia ao Rev Yutai Ikeda. Assim, tive a oportunidade de pedir sua orientação e recebi o conselho de matricular-me na Faculdade Dōbō, onde ele lecionava.Entretanto, mesmo dentro do estudo universitário, o budismo era incompreensível para mim. Além disso, o budismo que eu estava estudando em nada se relacionava com os sofrimentos reais. Talvez, excelente academicamente, entretanto para mim era um budismo abstrato e conceitual que não me tocava. Em outras palavras, era o próprio “budismo desvinculado da sociedade” .

Ademais, não estou afirmando que só a instituição em que eu estudei ensina o “budismo desvinculado da sociedade”. O budismo do Japão é assim na sua maioria. Esta postura típica do budismo é descrita no poema intitulado “Tsurezuregusa”da autoria do Kenko Yoshida, um literato medieval: – “Buscar o caminho budista, nada mais é que arrumar tempo para si e o primeiro passo é não se importar com o mundo.”  Em outras palavras, o poema diz: Não se preocupe com o que acontece no mundo e concentre-se nas práticas para abandonar suas próprias paixões mundanas. 

O Budismo do Mestre Shinran considera que –“Nós vivemos aprisionados pelas paixões mundanas – klesa/bonnō. Estas atormentam tanto nosso corpo físico como nosso coração.” – “Do Sentido do Tratado da Fé Exclusiva” -. Yuishinshô Mon-i “. Quer dizer que somos a própria paixão mundana e assim sendo, não há que negar a natureza humana. E faz daqui o ponto de partida para esclarecer sobre o Budismo Engajado.

E neste propósito não há uma citação mais apropriada do que diz uma das “Cartas do Mestre Shinran – Goshō soku” : –“Nós guardamos fielmente o Nembutsu, mas como no mundo ocorrem circunstâncias adversas, há que conservar o Nembutsu firmemente oculto em nossos corações, recitando-o de forma a nos ajustarmos aos anseios e preces mundanas”. 

Nesta carta o Mestre Shinran descreve dois grandes acontecimentos históricos que ocorreram durante a sua vida: no trecho onde cita a “Perseguição da Era Jōgen (1207) – descrição da perseguição aos seguidores do Nembutsu “ – que diz:“…há que conservar o Nembutsu firmemente oculto em nossos corações...” Ele se refere ao episódio da repressão que os devotos do Ensinamento do Nembutsu sofreram. Em consequência, oito clérigos foram condenados, entre eles o Mestre Honen e Mestre Shinran que foram exilados, e quatro deles receberam a sentença de morte, entre eles Anraku bō e Juren bō.

O segundo acontecimento ali constante é sobre o Imperador Gotoba, o mesmo que chefiou a Perseguição da Era Jōgen, o qual em 1221 causou a Revolta de Jōkyu – levante de guerreiros contra o Xogunato de Kamakura. Ao final desse acontecimento, o Imperador Gotoba foi exilado na Ilha Oki.

Dentro destas circunstâncias, o Mestre Shinran nos orienta para recitarmos o Nembutsu, tendo ciência de “…ajustarmos aos anseios e preces mundanas…”. Recitar o Nembutsu é despertar para o Voto Original do Buda Amida. Não é usá-lo como instrumento de poder, nem como instrumento para se proteger dos acontecimentos. Sua orientação diz: faça destes acontecimentos oportunidade para prestar atenção aos anseios da Terra, anseios do mundo e aos anseios do povo.

Desta forma, o Mestre Shinran, nos orienta para olharmos diretamente para as paixões mundanas que carregamos, sem descartamos a consciência de que somos nós mundanos que criamos esta circunstância de vida e, mediante isso, questionarmos sobre o significado de viver. Isto é a expressão “Fudan Bonnō TokuNehan – realização do Nirvana sem extirparmos as paixões mundanas” citada no “O Poema da Verdadeira Fé – Shoshingue” . Viver no mundo de paixões e descobrir o significado de viver, sem se alienar deste mundo corrupto- este é o Ensinamento do Mestre Shinran.

Refugie-se no Grande Oceano da Fé.

Na barra ornamental superior – ranma – que limita o Santuário Interno “naijin” da Nave do Betsuin há um quadro com a inscrição –“ Grande Oceano da Fé- Daishinkai”.  Certa ocasião, ainda eu estando no Brasil um colegial em visita ao Betsuin me perguntou: “O que aquelas palavras significam?” De fato, o que essas palavras significam? Eu penso que ela descreve o âmago da Terra do Budismo Shin.

Nos “Hinos aos Ghatas de Louvor ao Buda Amida – San Amida Butsu Gue Wasan” do Mestre Shinran consta: “Refugie-se no Grande Oceano da Fé.” A expressão Grande Oceano da Fé é outra maneira de nominar o Buda Amida, o qual tem uma imensa e profunda Compaixão como um imenso e profundo oceano. Então, vamos pensar sobre a ação do Buda Amida que é representada como Grande Oceano da Fé. 

Nós tendemos a pensar sobre a existência do Buda chamado Buda Amida como um Deus que existe fora de nós e que estende a mão envolvendo-nos para nos salvar. De certa forma, isso é compreensível. Pois no cotidiano louvamos o Buda Amida na forma de Ícone Sagrado simbolizado na imagem de madeira, pintura ou letras expressas em ideogramas e direcionamos nosso louvor à eles. No entanto, no budismo não há um Deus. É uma religião que segue o Dharma – que esclarece a verdade universal sobre todas as existências. E chamamos de Buda Amida, Tathagata Amida aquilo que simboliza este Dharma. 

Isso significa que o Buda Amida orienta igualmente a todos os seres vivos para que despertem para a verdade da natureza de todas as existências. Esta é a ilimitada ação do Buda Amida que não escolhe, não despreza e não abandona a ninguém. 

O Ícone Sagrado com letras Namu Amida Butsu é a representação mais precisa de que o Buda Amida é o Buda que nos chama com essa ação.

O Mestre Shinran cita no ”Florilégio de Passagens sobre A Doutrina, A Prática e a Realização Verdadeira da Terra Pura- Kōgyō Shinsho”: – “O Namu do Namu Amida Butsu é a expressão do Voto Original do Tathagata Amida que sempre nos chama para nele tomarmos refúgio.”  De acordo com o Budismo Shin, quem despertou em primeiro lugar para esta ação do Tathagata Amida foi o Buda Shakyamuni. Ou seja, Buda significa desperto. 

Recitar o Nembutsu e tornar-se Buda assim como o Buda Shakyamuni– este é o Ensinamento do Budismo Shin.

Em ”O Tratado de Lamentação das Heresias- Tannisho” consta a afirmação: “Quando firmes na salvação do Voto Original, brota no nosso coração o desejo de recitar o Nembutsu, alcançaremos o Ir-Nascer na Terra Pura”.  Quer dizer que o Buda chamado Buda Amida não se encontra fora de nós como um Deus transcendente que nos envolve e vem nos salvar. Pelo contrário, indica o Buda original, o Dharma esclarecido pelo Sidharta Gautama. É a ação que faz do “eu” carregado de pesadas culpas e profundo mal, um Buda. 

A compreensão disto é de fundamental importância.

No entanto, está escrito no ”O Sentido do Texto sobre o Nembutsu Único ou Múltiplo – Ichinen Tanen Mon I” que: – “Somos preenchidos por desejos que brotam da nossa ignorância: nossa mentes exibem várias formas de paixões como frustração, raiva, ciúme e rancor. Esses sentimentos maus sempre nos atormentam. Nunca cessam, nem por um momento sequer, até o instante de nossa morte”. Se assim somos, como poderemos nos tornar Budas?

A primeira reflexão é tomar ciência de que eu sou exatamente este ser carregado de paixões que vive centrado apenas na satisfação do próprio egoísmo. Isso porque somos entes mundanos comandados pelo auto poder. Nas palavras do Mestre Shinran, o auto poder indica auto ajuda, ou que confia apenas na capacidade do corpo, coração, empenho e conhecimento próprio. É a crença no poder absoluto de si mesmo. Portanto, esta pessoa não reconhecerá sua falha, seu erro nem sua estupidez. A ela, só será possível tomar consciência disso através da Luz da Sabedoria do Buda Amida. 

Nesse sentido, reconhecer de que sou um ente mundano, um ser carregado de pesadas culpas, esse reconhecimento, é sinal de que fui iluminado pela Luz da Sabedoria do Buda Amida. 

A tomada de consciência de que estou nas mãos do Buda Amida é saber que mesmo nas condições de um mundano, através do Voto Original dele, sou aquele que poderei tornar –se um Buda. Assim está escrito nas “Considerações sobre os Nomes e os Ícones Sagrados mais as inscrições anexas – Songô Shinzō Meimon”. E isso é denominado Coração Genuíno.

Assim, recebendo o coração genuíno, aliás por tê-lo recebido e determinado em tornar-se um Buda, embora ainda não o seja, iniciará a vida em dedicação plena de acordo com os Ensinamentos do Buda, compartilhando esta paz com os outros.

De fato, esta é a posição sem retrocesso do caminho búdico. Então, o que é o caminho búdico? É o caminho que busca o Buda. Ou percorrer o caminho de um Bodhisattva. Bodhisattva é aquele que caminha na consciência do Despertar.

A “Bodhicitta-Bodaishin- Jōgu Bodai” ou “Consciência do Despertar –Gueke Shujō” consiste na busca da Iluminação pessoal mais o empenho pela salvação dos seres viventes. 

Nas palavras de Kenji Miyazawa quer dizer: “Enquanto o mundo inteiro não for feliz não existirá a felicidade individual.”-  Notas para uma Introdução Geral à Arte Campesina- Nōmin Geijutsu Gairon Kōyō”.  Este é o princípio da humanidade que não pode ser entendido apenas como um conceito, pois se assim for, estaremos negando a natureza original do ser humano. 

Este coração imenso do Buda contem esse Voto a nós direcionado o qual é chamado Grande Oceano da Fé.

Budismo Engajado

O budismo da Verdadeira Escola da da Terra Pura não é o budismo cujo objetivo é a salvação apenas de um único indivíduo. Nesse aspecto, as ”Cartas do Mestre Shinran- Go Shō Soku” cita que a – “A Verdadeira Escola da Terra Pura é a Essência Última do Mahayana”. Mahayana ou Budismo de Grande Veículo é o Ensinamento budista que tem por objetivo a Salvação de todos os seres. Assim descrito, parece ser um ensinamento muito fácil, mas, a facilidade está somente no falar, pois é muito difícil de ser compreendido. Ou seja, discerniremos a importância contida neste ensinamento, mediante a Luz do Voto Original do Buda Amida.

Entre os ensinamentos do budismo contemporâneo, o Budismo Engajado tem chamado a atenção como uma manifestação concreta do Budismo de Grande Veículo. Quem usou pela primeira vez esse termo Budismo Engajado, foi um monge vietnamita chamado Thich Nhat Hanh, que vive atualmente na França. Ainda quando o Thich Nhat Hanh era um “unsui monge noviço” no templo de Hue, Vietnã, estourou a Guerra entre o Vietnã do Sul e o Vietnã do Norte. E, invariavelmente, os Estados Unidos fizeram ali, suas intervenções militares.

Naquela época, o arquipélago de Okinawa que se encontrava sob o domínio dos Estados Unidos constituía um ponto estratégico para lançar bombardeiros diretos para o Vietnã do Norte. Com isso, esses bombardeios provocavam diariamente a morte de muitas pessoas. Nesse contexto, Thich Nhat Hanh refletiu sobre o Budismo do Grande Veículo que ele estava estudando.

O Thich Nhat Hanh é um monge zen, assim sendo a meditação era uma prática muito importante entre suas atividades diárias. No entanto, enquanto ele praticava a meditação no templo, a Guerra do Vietnã feria e matava muitas pessoas, e nada ele podia fazer. Se estivesse no lugar do povo que gritava e chorava de dor, ele teria que deixar as práticas como aprendiz de monge. E foi vivendo esta contradição que ele pensou no Budismo Engajado – budismo vinculado à sociedade. Ou trocando de palavras, o budismo que pratica o ensinamento dentro da circunstância real de vida. 

Particularmente eu, mesmo antes de encontrar o pensamento do Thich Nhat Hanh era cético em relação à postura do budismo confinado no templo. Por isso senti empatia com a proposta de estudar o budismo relacionando-se à sociedade. A propósito, existem palavras do Mestre Shinran no”Hino das Três Épocas – Shō Jō Matsu Wasan” Shinshû Seiten, pag. 500, que lamentam a realidade do budismo não inserido na época e na situação social da comunidade:– “Os Dharmas deixados por Shakyamuni- shaka no yuihō, foram todos ocultos no Palácio do Rei Dragão -ryūgū “ . Segundo o dicionário sino japonês, o termo Palácio do Rei Dragão –ryūgū – se refere ao templo budista. Podemos dizer que esta expressão aponta os templos e centros de pesquisas universitários atuais que se mantém alienados aos acontecimentos reais da sociedade. Trocando de palavras, o budismo atual não está atuando de forma viva no dia a dia do povo. 

Então, como o budismo pode atuar na sua proposta original diante do sofrimento humano? Penso que, para isso precisamos fazer uma grande mudança na forma pela qual aprendemos os ensinamentos budistas. É simples. É necessário enfrentar a realidade da sociedade que ignoramos. Isto é o budismo relacionado à sociedade – o Budismo Engajado. Vamos analisar esta questão a partir de duas perspectivas.

A primeira sobre o nome Shinran com que o próprio Mestre se auto proclamou. ( para facilitar, vamos desmembrar a expressão em duas partes: Shin e Ran). A primeira letra Shin foi tirada de um dos patriarcas da Índia do Budismo Shin, autor do “Tratado da Terra Pura”, Tenjin Bosatsu, também conhecido como Seshin -Bodhsattva Vasubandhu, autor do “Tratado da Terra Pura” e a segunda letra, de outro Patriarca, Donran Daishi ou Mestre Tan luan, autor de uma explicação do referido Tratado em chinês.
Esse fato de ter extraído seu nome de um mestre da Índia , acrescido de outro do mestre da China, ambos estudiosos budistas e autores do Tratado da Terra Pura,  nos permite entender que o Mestre Shinran ao assumir esse nome, também fez dessa Terra Pura – uma terra compartilhada onde eu e os demais juntos podemos viver em igualdade – o objetivo principal de sua busca.

O próprio nome Shinran é a expressão de quem transpôs etnias e nacionalidades; ele poderia ser chamado cosmopolita ou uma pessoa dotada de visão global. Em outras palavras, ele transpôs as diferenças de carmas e etnias e viveu assumindo as condições das circunstâncias a ele impostas com esta visão global. O Ensinamento do Mestre Shinran, é o próprio Budismo Engajado.

A segunda perspectiva a ser citada é o encontro entre o Mestre Shinran e o Mestre Hōnen, ocasião em que o budismo chamado Jōdo Shinshū- Verdadeira Escola de Terra Pura foi elucidado. A expressão Jōdo Shinshū significa literalmente tomar a Terra Pura como a essência da Verdade. Isto é, a “Terra Pura – Jōdo” que para nós significa a verdadeira essência, a Terra do Voto Original do Buda Amida, que se contrapõe ao nosso mundo de apego ao eu e minhas conveniências pessoais, o “Edo – terra impura”. O Namu Amida Butsu que recitamos simboliza declarar em voz alta que recebemos e aceitamos o chamado do Buda Amida da Terra Pura, isto é, que aceitamos o seu chamado em qualquer lugar e a qualquer hora para termos ciência do nosso caráter aprisionado no mundo do egocentrismo. 

Analisando isso sob o aspecto doutrinário, quando assumimos que somos seres carregados de paixões mundanas, é quando o mundo do Nome Sagrado se abre. É o momento em que lamentamos o eu egocêntrico e apegado à própria vontade. O mundo do Nome Sagrado não tem o propósito de transformar uma pessoa para melhor. Pelo contrário, faz com que essa pessoa tome consciência de sua própria ignorância. O autopoder é o coração do egoísmo absoluto. Para tomamos consciência disso, só mesmo com a Luz do Nome Sagrado. Sobre isso, disse o Príncipe Regente Shōtoku: -“ Eu certamente não serei um santo e o outro não será necessariamente um tolo, ambos somos apenas entes profanos”.

Desta forma, sob a Luz do Nembutsu tomamos a consciência de que somos seres humanos mundanos carregados de pesadas culpas, e vivemos no mundo semelhante a uma casa incessantemente incendiada. Precisamos tomar consciência de que somos nós que criamos esse mundo cheio de problemas. Estas palavras estão citadas no “Tannisho – O Tratado de Lamentação das Heresias.”  o qual, por sua vez, sem incluirmos nele a visão do budismo vinculado à sociedade tornar-se-á incompreensível. Concluindo, isto vem a endossar mais uma vez que o Ensinamento do Mestre Shinran é o Budismo Engajado.

Conclusão- Aprendendo com a religião do povo

Aqui, gostaria de lhes expor porque na época, decidi vir para o Brasil assumindo a função de superintendente, viajando o percurso que dura mais de trinta e cinco horas de voo, (incluindo o tempo de conexão) a partir do Japão. 

A América do Sul onde se situa o Brasil, segue basicamente a religião católica, a qual prega a Teologia da Libertação. 

Aqueles que seguem o Budismo da Verdadeira Escola da Terra Pura como eu, hão de considerar a importância da questão da Teologia da Libertação, quando pensarem no futuro da nossa Escola. 

No Brasil, ou seja, na América do Sul, o catolicismo é a religião de maioria esmagadora. Entretanto, a igreja católica iniciou seu plano de difusão, a fim de enfatizar a condição imperial do Ocidente na época da colonização da América do Sul. Ou seja, era a religião dos dominadores. Mas, no final do século XX, essa conduta foi novamente questionada e então sua ação voltou-se para se tornar a religião para os pobres. Assim, o novo movimento da Igreja Católica a envolver sacerdotes e devotos leigos recebeu o nome de Teologia da Libertação. A sociedade Sul americana que conheci, trazia na sua bagagem a história do catolicismo, da religião de dominadores que se transformou em religião do povo com a Teologia da Libertação. Mesmo agora, a Teologia da Libertação continua sem alteração.

A minha pergunta é: o que podemos fazer na qualidade de religiosos, qual é a esperança a nós confiada nesse cenário devastado? Certamente não é refugiarmo-nos nas palavras da Escritura Sagrada, mas, sim o envolvermo-nos na realidade da vida, espelhando-nos nos Ensinamentos contidos nas Escrituras.

Durante os três anos e meio que vivi no Brasil, a questão muitas vezes abordada foi sobre o futuro da nossa Escola; a necessidade de que devemos esclarecer a nossa posição e responder aos problemas da sociedade atual; restaurar o espírito budista fazendo reflexões sobre o passado e abrir novos caminhos de difusão. E para isso, temos o exemplo do encontro e convívio do Mestre Shinran com o povo de Echigo.

No entanto, pensando bem, o termo “povo” está indicando a mim mesmo. Explicando melhor, a palavra “povo” designa percepção de alguém que vive em contradições, injustiças e distorções. O termo “povo” não aponta para alguém separado de mim, mas, literalmente, aponta para mim mesmo que continuo a criar esse mundo turbulento.

Perceber a personalidade própria (que compõe o povo) e fazer dela a base para ter sempre em mente a verdade do eu e do meu mundo, é a questão apontada. E para não nos esquecermos dessa natureza nossa, a ação do Buda Amida sempre nos chamará na forma de recitação do Nome Sagrado. Recitar o Nembutsu é se expor a essa ação.

O Nembutsu que atravessou os mares e desembarcou no Brasil, Paraguai e Argentina nas terras Sul americanas, me deu a oportunidade de perceber a minha personalidade, como aquele que não serei salvo se não encontrar o Voto Original do Buda Amida. Ou seja, segundo as palavras citadas no “Tannisho- O Tratado de Lamentação de Heresias”: devemos perceber que “somos prisioneiros do carma”.

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